Carlos Alberto dos Santos apresenta novidades nas pesquisas para a fabricação de automóveis menos poluentes: um carro elétrico em desenvolvimento no Brasil movido a uma bateria de sódio e a descoberta de um catalisador promissor que pode tornar realidade o uso do hidrogênio como combustível.
O carro elétrico em desenvolvimento nos laboratórios da Itaipu Binacional é um dos exemplos de tecnologias brasileiras para minimizar a emissão de gases do efeito-estufa pelo setor automotivo (foto: CPDM-VE/ Itaipu Binacional).
Há duas semanas, em companhia de colegas da Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila), visitamos o Laboratório de Carro Elétrico da Itaipu Binacional. A tecnologia do carro do futuro deverá buscar a meta de máxima redução de emissão de carbono ou, nas palavras dos mais otimistas, eliminar essas emissões. Não há dúvida de que o sistema de transporte urbano constitui enorme desafio para se alcançar esse objetivo.
A tecnologia do carro do futuro deverá buscar a máxima redução de emissão de carbono
Duas grandes linhas de pesquisa tecnológica despertam os maiores interesses da comunidade científica e dos meios empresariais. Ambas desembocam no carro elétrico, mas apresentam diferentes agentes propulsores.
De um lado, existem as células a combustível de hidrogênio, inventadas há mais de 170 anos e ainda não confeccionadas em condições economicamente competitivas. De outro, temos a recente tecnologia das baterias de tipo NiMH (hidreto metálico de níquel), utilizadas em automóveis desde 1997. Por trás de tudo isso está um operário-padrão do sistema propulsor: o supercapacitor, já apresentado neste espaço.
Seguindo a lógica do curso histórico, um pouco antes de investir em seu projeto de carro elétrico a bateria, a Itaipu Binacional associou-se à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e, por intermédio da Fundação Parque Tecnológico Itaipu, investiu em um programa de pesquisa para a produção de hidrogênio com um objetivo mais amplo, visando ao domínio tecnológico de energias renováveis.
A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é outra instituição que vem fazendo abordagens múltiplas para a produção do carro do futuro. O recente lançamento do seu ônibus a hidrogênio é a prova do seu sucesso.
Desafios técnicos e econômicos
A utilização de hidrogênio como propulsor automobilístico tem enfrentado alguns desafios técnicos e muitas dificuldades de natureza econômica. Fabricantes de automóveis ainda não estão satisfeitos com as células de combustível produzidas até aqui. Gostariam que fossem mais duráveis e baratas e que tivessem maior autonomia.
Além disso, há o dilema do ovo e da galinha. Os fabricantes alegam que falta a infraestrutura para o abastecimento, enquanto os empresários desse ramo apontam para a inexistência de uma quantidade de automóveis compatível com o investimento nessa rede de abastecimento.
Do ponto de vista tecnológico, o grande desafio tem sido a produção eficiente de hidrogênio a partir da água. A viabilidade econômica desse procedimento passa pela utilização de catalisadores baseados em elementos abundantes na crosta terrestre, um tema que vem despertando grande interesse da comunidade científica.
O grande desafio é a produção eficiente de hidrogênio a partir da água
Uma possibilidade aponta para um processo biológico que faz uso de enzimas conhecidas como hidrogenases. No entanto, essas enzimas são muito instáveis nas condições ambientais em que devem ser usadas. Por causa disso, muitos grupos de pesquisa passaram a investir em sistemas não biológicos.
A extensa literatura técnica referente ao uso de catalisadores metálicos mostra o peso desse interesse, mas eles são preparados com metais raros, como a platina, cujo alto custo torna a tecnologia proibitiva. Portanto, a comunidade científica continua à espera de catalisadores eficientes, baratos e que produzam grande quantidade de hidrogênio a partir de água.
Jeffrey Long, Christopher Chang e Hemamala Karunadasa, os três pesquisadores que relataram no mês passado a descoberta fortuita de um catalisador promissor para a obtenção de hidrogênio a partir da água a custos razoáveis (foto: Roy Kaltschmidt / Berkeley Lab Public Affairs).
Serendipidade
Um passo à frente nessa questão foi apresentado em artigo publicado na conceituada revista Nature em 29 de abril por Hemamala Karunadasa, Christopher Chang e Jeffrey Long, da Universidade da Califórnia em Berkeley e do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, do Departamento de Energia dos EUA. O grupo afirma ter obtido resultados promissores de modo inteiramente ocasional, num típico caso de serendipidade.
Eles estavam em busca de moléculas organometálicas que apresentassem propriedades magnéticas características dos materiais magnéticos usuais. Para isso, misturaram alguns metais com compostos orgânicos do grupo PY5. Não vamos entrar no detalhe químico – você pode imaginar pela complexidade da fórmula desse ligante, algo como 2,6-bis(1,1-bis(2-pyridyl).
O fato é que, quando esse ligante foi misturado com molibdênio, resultando em um composto com nome (PY5Me2)Mo-oxo, os pesquisadores observaram uma extraordinária facilidade de transferência de elétrons. Sabendo que transferir elétrons entre átomos é o principal mecanismo que resulta na produção de hidrogênio, Karunadasa e seus colegas mudaram imediatamente de rumo. Saíram do magnetismo e foram para a eletroquímica.
É aqui que entre a serendipidade. O pesquisador preparado percebe a utilidade de um resultado inusitado em uma área diferente daquela em que está trabalhando.
O pesquisador preparado percebe a utilidade de um resultado inusitado em uma área diferente daquela em que está trabalhando
Mas o que esse catalisador tem de diferente em relação aos outros, para estabelecer um novo paradigma químico, como afirmam seus descobridores? Em primeiro lugar, ele dispensa a adição de cossolventes orgânicos e ácidos.
Além disso, é altamente ativo e estável em meios aquosos, e funciona com água do mar, com todas as impurezas que lá existem. A estabilidade é tão grande que a reação ficou durante três dias sem apresentar qualquer degradação. A frequência com que o hidrogênio é produzido também é muito alta – mais de dez vezes a frequência dos catalisadores usuais.
Finalmente, são baratos e fáceis de preparar. E por que é assim? A estabilidade se deve provavelmente ao fato de que o ligante fica preso ao molibdênio em cinco diferentes pontos. Ainda não se sabe se a invenção vai atingir a escala industrial com o mesmo sucesso apresentado no laboratório. O jogo está apenas começando.
Oficina de montagem do carro elétrico brasileiro desenvolvido pela Itaipu Binacional. O projeto da bateria de sódio usada nesse veículo já recebeu investimentos da ordem de 30 milhões de reais (foto: divulgação).
De volta ao Brasil
Enquanto o catalisador dos sonhos não se concretiza, convém não fechar os olhos para outras alternativas. O carro elétrico montado na Itaipu Binacional utiliza baterias de sódio, com autonomia equivalente às de lítio, e com a vantagem de utilizar um elemento químico abundante. A utilização de supercapacitores possibilita a utilização de energia liberada durante as frenagens.
E há competidores de peso nessa jogada, como a General Electric, que desde 2009 vem desenvolvendo baterias de sódio, com investimento inicial superior a R$ 200 milhões. Embora bem inferior a este montante, o investimento na Itaipu é significativo. Com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a empresa está investindo R$ 30 milhões em pesquisa e desenvolvimento de uma bateria de sódio.
Fonte: Ciência Hoje Online