Fóssil considerado maior descoberta de 2009 é contestado

O Ardipithecus ramidus, ou Ardi, é uma fêmea adulta de 1,22 metro de altura datado de 4,4 milhões de anos

O esqueleto fóssil conhecido como Ardi, que alguns observadores apontaram como  descoberta científica "revolucionária" de 2009, vem agora despertando críticas de estudiosos que contestam as alegações de que a espécie teria vivido em bosques densos e não em planícies gramadas, as quais há muito são consideradas como habitat preferencial dos primeiros seres pré-humanos e talvez respondam pela transição para o caminhar ereto. Mais um cientista surgiu para contestar publicamente a classificação do Ardi como membro da linhagem humana, depois do ponto de divergência para com os macacos africanos. 

A anatomia primitiva do esqueleto, alega esse pesquisador, sugere uma espécie que antedata o ancestral comum entre as árvores genealógicas dos chimpanzés e dos seres humanos. Duas dessas críticas foram publicadas pela revista Science, acompanhadas por respostas da equipe que reportou em outubro passado a primeira descrição e interpretação detalhada do esqueleto do Ardipithecus ramidus, ou Ardi, datado de 4,4 milhões de anos no passado. O espécime, uma fêmea adulta, provavelmente tinha 1,22 metro de altura e é mais de um milhão de anos mais velho que Lucy, o famoso esqueleto da espécie Australopithecus afarensis.

Uma equipe internacional de pesquisadores liderada por Tim White, da Universidade da Califórnia em Berkeley, descobriu os fósseis em 1992. Foram necessários 17 anos de trabalho para que o esqueleto fosse reconstruído e analisado, em companhia de espécimes relacionados, e também para o estudo do habitat em que a espécie viveu, hoje parte do território da Etiópia. Um relatório abrangente descreveu o estudo como "a descoberta científica revolucionária" do ano passado.

Talvez fosse inevitável que uma descoberta de tamanha magnitude atraísse críticas, como White mesmo reconheceu esta semana, em mensagem de e-mail. "Era inevitável que o trabalho resultasse em certo conflito de opiniões", disse. "Desse ponto de vista, portanto, é algo que temos de ver como parte normal da ciência". 

A questão do habitat do Ardi foi proposta por Thure Cerling, geoquímico da Universidade do Utah, e por sete outros geólogos e antropólogos. Eles afirmam que usaram os dados da equipe de White para traços de terra e sílica de plantas antigas e constataram que os resultados não sustentavam a interpretação de que Ardi tivesse vivido em bosques densos.  Em lugar disso, disse o grupo de Cerling, "nossa constatação é a de que o contexto ambiental do Ar. Ramidus, em Aramis, deve ter sido representado pela chamada savana arborizada ou arbustiva, com cobertura superior de folhagem de ordem inferior a 25%".

Os críticos do trabalho de White afirmam que uma paisagem na qual pelo menos 60% da área apresente cobertura superior por árvores ou arbustos é requerida para que a descrição "mata cerrada" possa ser utilizada. Em outras palavras, as descobertas não contrariavam, ao contrário do que alega a equipe de White, a chamada "hipótese savana", associada ao desenvolvimento do caminhar bípede, ereto - bipedalismo - como traço de definição para separar os seres humanos e os macacos, no passado distante. 

Os membros do grupo de Cerling afirmam que não pretendem defender a primazia da hipótese convencional, mas simplesmente apontar que os dados sobre o Ardi na verdade mais a sustentam que a contradizem. Na resposta, a equipe de White afirma que os críticos estão ignorando "a totalidade das provas fósseis, geológicas e geoquímicas" apresentadas em seus estudos originais. A equipe apontou que de fato foi identificada a presença de vegetação gramínea no sítio, mas o número abundante de fósseis lá localizados provém de mamíferos adaptados à vida nos bosques, e que isso bastava para estabelecer o Ardi como "morador de um habitat denso", e não da savana aberta. 

Francis Brown, geólogo também da Universidade de Utah e pesquisador experiente quanto às origens primordiais do ser humano, um dos co-autores do estudo conduzido pelo grupo de Cerling, declarou em entrevista recente que "estamos tentando simplesmente esclarecer o registro histórico. Em nossa opinião, o Ardi não deve ter vivido em um ambiente de savana gramada aberta, e tampouco em um ambiente boscoso e fechado". Outro cientista, Esteban Sarmiento, da Fundação da Evolução Humana, em East Brunswick, Nova Jersey, contestou a identificação do Ar. Ramidus como hominídeo - uma espécie da linhagem humana que surgiu de um ancestral comum com o ramo evolutivo que conduziu aos modernos chimpanzés. 

"Mas não existe sustentação suficiente para essa alegação", afirmou Sarmiento, zoólogo especializado no estudo de vertebrados, em artigo para a revista Science. Ele mencionou os aspectos primitivos do esqueleto do Ardi e estudos moleculares anatômicos que, de acordo com a sua interpretação, sugeriam que o Ar. ramidus "antedata a divergência entre seres humanos e macacos africanos". 

Em sua refutação, White e seus colegas apontam para o fato de que Sarmiento baseou seu argumento em estimativas biomoleculares quanto à data de divergência entre hominídeos e homens que se estendem de três milhões a cinco milhões de anos no passado. As datas em questão não são confiáveis, afirmou o grupo, e outros estudos com fósseis levaram a estimativa de data para a divergência a recuar para seis milhões de anos no passado. White afirmou em seu e-mail que Sarmiento não havia "reconhecido como significativos os traços múltiplos e independentes do crânio, detenção e esqueleto do Ardipithecus", o que, acrescenta, "alinha uniformemente esse primata a todos os hominídeos posteriores, entre os quais Lucy, e à exclusão de qualquer outro primata, vivo ou fóssil". 

Alguns antropólogos expressaram dúvidas, ainda não publicadas, quanto à classificação de Ardi como parte da linhagem humana. Richard Klein, antropólogo da Universidade Stanford e outro dos co-autores do estudo de Cerling, disse em entrevista que "francamente não creio que o Ardi fosse hominídeo, ou bípede". Daniel Lieberman, paleoantropologista da Universidade Harvard que não está nem entre os autores nem entre os críticos da observação, disse estar convencido de que Ardi é um hominídeo¿. Mas, acrescentou, "todo mundo tem dúvidas sobre que tipo de hominídeo seria, e o que isso tem a dizer sobre o último ancestral comum dos seres humanos e chimpanzés". 

Fonte: Terra Notícias

Nenhum comentário:

Postar um comentário