Tratamento com células-tronco traz esperança a paraplégicos

Um acidente de carro há 18 anos mudou por completo a vida do engenheiro químico paulistano Alexandre Baroni. Hoje, com 42 anos, Alexandre ainda se lembra com riqueza de detalhes quando seu carro capotou por algumas vezes após ele ter pegado no sono ao volante. Com o impacto da batida, o capô afundou e comprimiu sua cabeça, causando-lhe uma lesão completa na 5ª vértebra cervical. Alexandre ficou tetraplégico. Após algum tempo de espera para tentar readquirir os movimentos, mas sem sucesso, o engenheiro se rendeu à sua nova condição de vida, passar o resto dos dias sob uma cadeira de rodas. 

Mas o que poderia estar tachado para ser definitivo, tanto para ele como para milhares de outras pessoas com paraplegia, que têm como o grande sonho poder um dia voltar a andar, já há uma esperança para um recomeço. Novas conquistas na medicina já estão sendo alcançadas em pesquisas com células-tronco, realizadas por um grupo de médicos baianos. Depois de muitos meses desenvolvendo o trabalho em cães e gatos com a deficiência física, onde os testes preliminares foram considerados bastante satisfatórios, agora, com pioneirismo no País, será a vez de realizar os testes clínicos em humanos. 

Vinte pacientes voluntários participarão, já a partir do mês de agosto, do protocolo de pesquisa com células-tronco de medula óssea, que está sendo realizado pelo Centro de Biotecnologia e Terapia Celular do Hospital São Rafael (CBTC), em Salvador (BA). 

De acordo com a coordenadora do projeto, a imunologista Milena Soares, cada pessoa selecionada terá seu material colhido do próprio osso da bacia, depois as células irão para o laboratório para cultivo e testes. Em seguida, o paciente irá novamente para cirurgia, mas dessa vez para a inserção das células na área da coluna que foi fraturada. "A partir desta fase, cada participante da pesquisa passará por um intenso programa de fisioterapia para reabilitação. No total, esse trabalho terá dois anos e a equipe multidiscilpinar envolvida no projeto está bastante otimista", declara a pesquisadora. 

Segundo o neurocirurgião Marcus Vinícius, que faz parte da equipe médica do projeto e é o responsável pelo transplante de células, esse trabalho é a ponta do iceberg e muitas outras pesquisas serão realizadas a partir dos resultados desses primeiros testes. "Estamos começando uma estrada, e temos muito caminho a percorrer. Apesar de vários estudos e vários tratamentos, até o momento não existe nada na medicina que resolva o problema, nenhum leva a algum resultado. E estamos tentando gerar um", pontua Marcus Vinícius. 

Alexandre Baroni, que saiu de São Paulo há dois anos para assumir em Salvador o cargo de Coordenador Executivo dos Direitos de Pessoas com deficiência do Estado da Bahia, fala sobre a importância do Brasil dar esse passo em uma pesquisa tão importante. "Se nosso país não avançar nas pesquisas, principalmente com células-tronco, elas serão deitas lá fora. E tudo será mais difícil e demorado até chegar aqui. Assim como eu, todos os que passam pelo problema esperamos êxito e que esse trabalho possa trazer melhor qualidade de vida para nós deficientes. A gente aprende a viver em novas condições, mas é indiscutível que se a gente puder, sai da cadeira de rodas", declara. 

O neurocirurgião comenta que ainda há vagas para voluntários, pois para esse primeiro momento há uma série de pré-requisitos, a exemplo da lesão não ter sido ocasionada por arma de fogo ou algum material perfurante, e esta ter mais de seis meses. ¿Os interessados podem se inscrever por meio do email ticiana@cbtc-hsr.org¿, recomenda o médico. A pesquisa é realizada pelo Monte Tabor/Hospital São Rafael, em parceria com o Hospital Espanhol, a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e o Centro Universitário da Bahia e é financiada pelo Ministério da Saúde. 

Pesquisa ajudará portadores da Doença de Chagas

Além de portadores de paraplegia, o Centro de Biotecnologia e Terapia Celular (CBTC) do Hospital São Rafael vai desenvolver pesquisas com portadores da doença de Chagas, doença adquirida por um parasita e que em muitas pessoas não apresenta sintomas. A pesquisa será para identificar a forma correta do tratamento seja ela terapêutica, imunológica ou por terapia celular, no intuito de bloquear ou inibir a evolução da doença para a forma cardíaca. "Precisamos compreender melhor os motivos pelos quais os indivíduos portadores da forma indeterminada da doença de Chagas vivem tanto tempo sem apresentar os sintomas, mesmo com sorologia positiva, ou seja, coexistindo com a presença de parasitas", diz o imunologista e coordenador do Estudo Multicêntrico de Terapia Celular em Cardiopatia Chagásica, Ricardo Ribeiro, responsável pelo CBTC. 

Os estudos serão realizados no Laboratório de Cultura de Células Humanas e no Ambulatório Avançado de Doença de Chagas. Os voluntários a participarem do projeto terão acompanhamento terapêutico para insuficiência cardíaca e total assistência de uma equipe multidisciplinar formada por profissionais de Medicina, Enfermagem, Psicologia, Nutrição e Fisioterapia. 

Desenvolvimento

Nomes importantes da pesquisa no Brasil estiveram presentes em Salvador durante inauguração do primeiro Laboratório de Cultura de Células Humanas do Brasil e único no Norte e Nordeste. Para o secretário de Ciência e Tecnologia e Insumos do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães, a terapia celular é o novo paradigma a ser desvendado quando se trata do cuidado com a saúde humana, e comemora o desenvolvimento do Brasil no setor. ¿O Ministério da Saúde faz questão de manter o fomento nessa área. Dessa forma a distância que separa o Brasil dos países desenvolvidos, em relação às pesquisas com terapia celular, é muito pequena¿, festeja o secretário. Já o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Carlos Aragão, avalia o momento como um avanço no desenvolvimento social brasileiro.

CTBC

O Centro de Biotecnologia e Terapia Celular do Hospital São Rafael (CBTC) é o primeiro do Norte-Nordeste e um dos oito centros credenciados pelo Ministério da Saúde para manejo de células-tronco a nível de GMP (Good Manufacture Practice ou Boas Práticas de Manufatura). Possui uma área de aproximadamente 700 m2, onde são realizadas pesquisas básicas e aplicadas na área biomédica, e investigações de doenças neurológicas (trauma raquimedular, epilepsia, lesão do nervo periférico); de doenças renais (insuficiência renal aguda), do diabetes (tipos I e II, com foco na regeneração de lesões teciduais), doenças cardiovasculares, doenças hepáticas e do envelhecimento. Sobre este último, são monitorados e identificados os mecanismos que levam à transformação tumoral de células-tronco e a comparação do potencial terapêutico de células de diferentes origens.

 Algumas Fotos

Pesquisadora do Centro de Biotecnologia e Terapia Celular do Hospital São Rafael (CBTC) realiza análises com células-tronco de medula óssea 

 O Centro de Biotecnologia e Terapia Celular do Hospital São Rafael (CBTC) é o primeiro do Norte-Nordeste e um dos oito centros credenciados pelo Ministério da Saúde para manejo de células-tronco

 Cada voluntário selecionado terá seu material colhido do próprio osso da bacia, depois as células irão para o laboratório para cultivo e testes

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