A vida secreta das trufas I

Elas não apenas servem aos gourmets, mas desempenham papel essencial na saúde dos ecossistemas

 É um dia frio de novembro perto de Bolonha, Itália. Caminhamos pelo bosque com o trufeiro Mirko Illice e seu cãozinho, Clinto, que corre para a frente e para trás, em meio aos carvalhos. Ele cheira a terra, para, depois corre de novo. De repente, começa a escavar furiosamente com as duas patas. “Ah, encontrou uma trufa branca italiana”, Mirko explica. “Ele usa as duas patas quando depara com uma delas.” Com jeito, Mirko afasta o cachorro agitado do local e enfia a mão na terra. Extrai uma pelota marrom- amarelada, do tamanho de uma bola de golfe e a cheira. “Benissimo, Clinto”, Mirko exclama. Embora não seja o exemplar mais sofisticado da espécie, o Tuber magnatum – que cresce apenas no norte da Itália, na Sérvia e na Croácia – descoberto por Clinto atingirá o belo preço aproximado de US$ 50 no mercado de sábado. No decorrer da história, as trufas se impuseram no cardápio e no folclore. O faraó Quéops as servia em sua mesa real. Beduínos, bosquímanos do Kalahari e aborígines australianos procuravam-nas por incontáveis gerações no deserto. Romanos as saboreavam, acreditando serem produzidas pelos trovões. Gastrônomos modernos valorizam as trufas pelo seu sabor e aroma de terra, sempre dispostos a pagar preços altos no mercado: recentemente, mais de US$ 3 mil por quilo da variedade branca italiana. No entanto, apesar do interesse duradouro pelos fungos, grande parte de sua biologia ainda permanece envolta em mistério. Mas, nas últimas duas décadas, análises genéticas e observações de campo esclareceram origens e funções desses organismos, revelando que desempenham papel essencial em vários ecossistemas. Essas descobertas sugerem estratégias para preservar algumas espécies ameaçadas, que ainda permanecem entre esses seres alienígenas do subterrâneo.

Um Fungo Entre Nós
 
As trufas, assim como os cogumelos, são os frutos dos fungos. Esses órgãos carnudos, estruturas reprodutivas temporárias que produzem esporos, por fim germinarão, dando origem a novos descendentes. A diferença entre trufas e cogumelos é que os frutos das primeiras, repletos de esporos, se formam abaixo do solo e não acima. Tecnicamente, as trufas verdadeiras são os fungos que pertencem ao filo Ascomycota, vendidas como alimento. Porém há fungos parecidos com as trufas ou as “trufas falsas” do filo Basidiomycota que funcionam como as verdadeiras. Por causa dessas semelhanças, referimo-nos a todos os cogumelos carnudos que frutificam debaixo da terra como trufas. Os esforços científicos para revelar os segredos das trufas datam do século 19, quando potenciais trufeiros pediram ao botânico Albert Bernhard Frank que descobrisse como essas iguarias se propagavam. Os estudos de Frank revelaram que os fungos crescem sobre e dentro das minúsculas raízes nutridoras usadas pelas árvores para absorver água e nutrientes do solo. Com base nessas observações, propôs que os organismos mantêm uma relação simbiótica, na qual cada um fornece nutrientes ao outro. Ele ainda postulou que essa relação entre fungos subterrâneos e plantas é generalizada e modela o crescimento e a saúde de muitas comunidades botânicas. As teorias de Frank contradiziam o senso comum sobre trufas e outros cogumelos, ou seja, que introduziriam doenças e podridão nas plantas – e atraíram considerável oposição de seus colegas. Porém, embora quase um século se passasse antes que os acadêmicos tivessem evidências definitivas, Frank estava certo. Todas as trufas e cogumelos produzem uma rede de filamentos, ou hifas, que crescem entre as raízes das plantas, formando um órgão compartilhado de absorção conhecido como micorrizas. Assim juntos,o fungo fornece nutrientes preciosos e água às plantas, e suas minúsculas hifas conseguem alcançar bolsões de solo inacessíveis às raízes muito maiores das plantas.

A planta, por sua vez, fornece à trufa associada açúcares e outros nutrientes sintetizados pela fotossíntese, produtos de que os fungos precisam, mas não conseguem processar sozinhos por não fazerem a fotossíntese. Essa parceria é tão benéfica que quase todas as árvores e outras plantas lenhosas necessitam dela para a sobrevivência, assim como os fungos associados. A maioria das plantas herbáceas (as que não têm um caule lenhoso acima do solo) forma também micorrizas, embora com fungos diferentes. Muitas espécies de fungos, inclusive as que produzem as trufas, formam uma variante de micorriza denominada ectomicorriza, na qual o fungo envolve as raízes nutridoras com um tecido externo protetor. A diversidade dessas ectomicorrizas de Basidiomycotas é impressionante: um dos autores (Trappe) estima que cerca de 2 mil espécies estejam associadas com a pseudotuga (conífera usada para madeira e árvores de Natal) e provavelmente com tantos ou mais tipos Os esforços científicos para revelar os segredos das trufas datam do século 19, quando potenciais trufeiros pediram ao botânico Albert Bernhard Frank que descobrisse como essas iguarias se propagavam.

Os estudos de Frank revelaram que os fungos crescem sobre e dentro das minúsculas raízes nutridoras usadas pelas árvores para absorver água e nutrientes do solo. Com base nessas observações, propôs que os organismos mantêm uma relação simbiótica, na qual
cada um fornece nutrientes ao outro. Ele ainda postulou que essa relação entre fungos subterrâneos e plantas é generalizada e modela o crescimento e a saúde de muitas comunidades botânicas. As teorias de Frank contradiziam o senso comum sobre trufas e outros cogumelos, ou seja, que introduziriam doenças e podridão nas plantas – e atraíram considerável oposição de seus colegas. Porém, embora quase um século se passasse antes que os acadêmicos tivessem evidências definitivas, Frank estava certo. Todas as trufas e cogumelos produzem uma rede de filamentos, ou hifas, que crescem entre as raízes das plantas, formando um órgão compartilhado de absorção conhecido como micorrizas. Assim juntos, de associações apenas nos eucaliptos australianos. Inúmeras outras espécies de árvores, importantes comercial e ecologicamente, também se apoiam nos fungos com ectomicorrizas. A maioria dos fungos frutifica acima do solo como cogumelos, mas milhares de espécies produzem trufas.

Nos Subterrâneos
 
Comparações em termos de morfologia e sequências genéticas das espécies de trufas e cogumelos indicam que a maioria das trufas evoluiu dos cogumelos. Mas já que as trufas necessitam da dispersão de seus esporos acima do solo para se propagar, por que a seleção natural favoreceria a evolução de espécies que se escondem abaixo da terra? Vamos considerar a estratégia reprodutiva dos cogumelos. Embora os cogumelos exibam uma enorme variedade de estruturas e cores, todos têm corpos de frutificação que podem liberar esporos diretamente no ar. Os esporos soltos no ar podem então repousar perto ou longe para germinar e potencialmente estabelecer uma nova colônia em associação com as raízes de uma planta hospedeira compatível. É uma abordagem altamente eficiente. No entanto, a estratégia do cogumelo não é infalível. A maioria dos cogumelos tem pouca defesa contra os perigos ambientais como calor, ventos secos, geada e animais forrageiros. Todos os dias alguns esporos amadurecem e são liberados. Mas, se o tempo inclemente secar ou congelar um cogumelo, a produção de esporos geralmente cessa. Quando esses perigos se tornaram comuns, surgiram novas adaptações evolucionárias. A alternativa mais bem sucedida foi o fungo frutificar embaixo da terra. Assim que o solo estiver úmido para formar o corpo de frutificação subterrâneo, ele é isolado dos caprichos climáticos. A trufa se desenvolve com relativa facilidade, continuando a produzir e a nutrir os esporos mesmo quando as condições acima do solo se tornam intoleráveis aos cogumelos. À primeira vista, a solução da trufa pode parecer fácil.

[Continua] 

Fonte: Scientific American

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