Epidemia em expressão - DENGUE

A epidemia de dengue no Brasil registrou crescimento de quase 160%, de julho de
2009 ao mesmo mês de 2010. Na metade deste ano, o número de casos notificados às autoridades sanitárias chegou perto de um milhão. A maior parte das notificações foi registrada nas regiões do Centro e do Sudeste do país, mas a presença da doença é observada em todas as regiões brasileiras. Neste ano, ainda, o número de casos graves da doença cresceu 30%. Até julho último, 9.700 indivíduos haviam apresentado as formas mais severas da dengue, como febre hemorrágica, síndrome do choque e quadros com complicações. O número de óbitos relacionados à dengue no país, em meados de 2010, de quase 4% dos casos graves, também chama a atenção por ser quatro vezes superior ao que é considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS). "Essa porcentagem de óbitos por dengue indica que está havendo alguma falha, seja no alerta ao paciente sobre a doença, na agilidade da procura pelo atendimento ou no próprio atendimento", afirma o infectologista Stefan Cunha Ujvari, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Um levantamento do Ministério da Saúde nos registros de pacientes que morreram de
dengue em 2010, divulgado em setembro último, mostrou falha no atendimento de 69% dos casos, a maioria dos quais em municípios com baixa cobertura do Programa Saúde da Família. "A população precisa entender que a dengue é uma doença dinâmica: pode começar na forma clássica, mas rapidamente evoluir para a forma hemorrágica, com risco de choque." Por isso, o infectologista destaca, é importante dar atenção aos sinais de alerta, que podem incluir hipotensão, tonturas, desmaios, diminuição da urina, falta de ar e dor abdominal. Tais sintomas indicam a necessidade imediata de uma avaliação médica, pois podem sinalizar perda de líquido em decorrência das lesões nos vasos sanguíneos, típicas da forma hemorrágica da doença.

Dengue tipo 4

Dentro desse cenário, a epidemia de dengue ganhou contornos mais preocupantes em agosto de 2010, quando foram confi rmados ofi cialmente os primeiros casos do sorotipo 4 (DEN-4) em Boa Vista, Roraima. Na ocasião, o Ministério da Saúde divulgou nota afi rmando que o DEN-4 não circula no Brasil há 28 anos, informação que suscita discordância de parte da comunidade científi ca. Em abril de 2008, um estudo produzido pela Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, publicado na revista Emerging Infectious Diseases, relatava extraoficialmente a existência de três casos de infectados pelo sorotipo no Estado do Amazonas naquele ano. Sabe-se, há muito tempo, que a dengue tipo 4 é endêmica em países vizinhos, como Colômbia e Venezuela. "A população brasileira não tem imunidade para esse sorotipo do vírus", diz Giovanni Coelho, coordenador do Programa Nacional de Controle da Dengue do Ministério da Saúde. "Por conta disso, o risco de haver circulação mais intensa da dengue tipo 4 nos centros urbanos é muito grande." Como o risco de desenvolver dengue hemorrágica é maior no caso de uma segunda infecção provocada por um sorotipo diferente do primeiro, especialistas e autoridades temem que a reintrodução do sorotipo 4 aumente a incidência das formas mais graves da doença, uma vez que é maior a possibilidade de circulação rápida do tipo 4.

A confi rmação da presença do sorotipo 4 da dengue no Brasil levou o Ministério da Saúde a incluir os casos suspeitos de DEN-4 na lista de doenças de notificação compulsória e a emitir um alerta a todas as Secretarias Estaduais de Saúde recomendando a adoção de medidas mais intensas com objetivo de controlar a dispersão do vírus. Essas medidas incluem mais informação à população, reforço das
ações de vigilância epidemiológica e distribuição de larvicidas e inseticidas, para o combate da larva e do mosquito adulto.

Mosquito adaptado

O combate ao Aedes aegypti, principal vetor da dengue e, também, da febre amarela é a forma realmente eficaz de controle dessas doenças, segundo os especialistas. "Desde o começo desta década ninguém mais fala em eliminar o mosquito", diz Ujvari. "Hoje a meta é manter as infestações urbanas no menor nível possível para que haja um número menor de infecções." Desde o início do século 20, quando se descobriu que o Aedes aegypti era responsável pela transmissão da febre amarela (ver quadro Subproduto da escravidão, à página 21), foram empreendidas sucessivas campanhas no Brasil, voltadas à sua erradicação ou ao seu controle, mas em décadas mais recentes houve negligência nesse combate. Além do relaxamento nas medidas de controle do vetor, outros fatores contribuíram para a expansão da dengue no Brasil ao longo dos últimos 50 anos. Um deles foi o processo de industrialização e urbanização que o país viveu durante o século passado. "Nossas cidades se desenvolveram de forma completamente desorganizada,
caótica e lotada de lixo industrial", aponta Ujvari. O resultado é um ambiente propício
à reprodução do mosquito, com a ampla disponibilidade de coleções para acúmulo de água, tais como recipientes de plástico, latas, pneus e caixas
d'água descobertas. Um mapeamento realizado pelo geógrafo Paulo Roberto Moraes, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mostra que em muitas regiões ao redor do mundo esse quadro de degradação ambiental, somado a  baixos níveis de desenvolvimento socioeconômico, se traduz, nos diferentes países, em maior risco de emergência e reemergência de epidemias (ver quadro Tristes trópicos, à página 24).

A capacidade de adaptação do Aedes aegypti ao meio urbano é outro facilitador de sua expansão nas cidades. "Nas coleções de plásticos e latas do lixo urbanoindustrial, a água pode até secar, mas os ovos depositados pela fêmea do mosquito que já se adaptou ficam ressecados ali por meses, viáveis, aguardando o momento em que haja água novamente para se ativar", explica Ujvari. O ciclo do mosquito também se tornou mais ágil e cumpre-se hoje em apenas dez dias, depois dos quais o inseto já está pronto para se acasalar. E, embora as fêmeas do mosquito tenham uma pequena capacidade de voo, os espécimes urbanos podem voar mais de um quilômetro em busca de um local adequado à postura dos ovos.

Globalização e clima

Assim como fez no passado, o Aedes aegypti continua viajando longas distâncias em barcos e agora, alternativamente, também em aviões. É o que indica o regresso do vetor a regiões em que se encontrava erradicado há décadas, como nos Estados Unidos e na Europa. Em julho de 2010, o Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC - do inglês Centers for Disease Control and Prevention), órgão de vigilância epidemiológica dos Estados Unidos, confi rmou a existência de 12 casos de dengue na Flórida. Segundo o CDC, exames laboratoriais realizados na região mostraram que 5% dos habitantes de Key West - cerca de mil pessoas - já haviam tido contato com o vírus da dengue.Mais recentemente foi a vez de o alarme soar na Holanda. Em agosto de 2010, foi localizada uma colônia de Aedes aegypti num depósito de pneus na região de Brabant. A descoberta despertou o temor das autoridades sanitárias europeias de que as chamadas "doenças tropicais", erradicadas há mais de 50 anos no continente, voltem a atingi-lo.
Mudanças climáticas no planeta também são apontadas como possíveis causas da expansão das doenças infecciosas. Em abril de 2008, a OMS já alertava para os perigos do aquecimento global à saúde humana, enquanto a sanitarista Maria Lúcia Carneiro, representante da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), afi rmava que o aumento da temperatura e da umidade no Brasil favorecia a proliferação do Aedes aegypti em áreas urbanas.

"Na verdade, não existe uma comprovação de que o aquecimento das temperaturas
esteja acontecendo de forma generalizada no planeta. O fenômeno está de fato acontecendo
em alguns pontos, mas não em todos os lugares, de maneira uniforme", diz o climatologista José Bueno Conti, professor titular de Geografi a da Faculdade de Filosofi a, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Mas ele acrescenta, "especula-se que nos últimos 25 anos o aquecimento das temperaturas médias em vários lugares do mundo venha contribuindo para a expansão das faixas tropicais e, também, para um aumento dos vetores responsáveis pela transmissão de doenças que afetam as regiões de clima quente e úmido".

Fontes
Centers for Diseases Control and Prevention, EUA. Locally
Acquired Dengue - Key West, Florida, 2009 -
2010. Disponível em: http://www.cdc.gov
 
Acessado em:
3 Set 2010.
Figueiredo RMP, Naveca FG, Bastos MS, et al. Dengue
Virus Type 4, Manaus, Brazil. Emerging Infectious
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Ministério da Saúde, Brasil. Dengue - Roteiro para capacitação
de profi ssionais médicos no diagnóstico e
tratamento. 3ª Edição. Brasília/DF: 2007.
Ministério da Saúde, Brasil. Secretaria de Vigilância em
Saúde. Informe Epidemiológico de Dengue. Análise
de Situação e Tendências - 2010. Disponível em:
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/informe
_
Acessado
em: 3 Set 2010.
Moraes PR. As áreas tropicais úmidas e as febres hemorrágicas
virais - uma abordagem geográfi ca. São Paulo:
Humanitas; 2008.
Mourão MPG, Bastos MS, JBL Gimaque, et al. Oropouche
Fever Outbreak, Manaus, Brazil, 2007-2008.
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