O universo luminoso dos fungos bioluminescentes V

Bioluminescentes na Amazônia
Embora sejam conhecidas dezenas de espécies de fungos bioluminescentes no mundo, apenas uma é conhecida na Amazônia. As recentes descobertas de espécies tropicais na Mata Atlântica são oriundas do esforço dos pesquisadores que, após serem informados por moradores locais, se dispuseram a investigar a existência dessa biodiversidade e se surpreenderam com as muitas espécies que ocorrem no Petar.

Como na Amazônia o conhecimento sobre a diversidade de fungos ainda é incipiente, e depende da presença dos especialistas, é provável que novas espécies existam e corram risco de extinção antes mesmo de serem descritas e catalogadas. Caboclos e ribeirinhos, que andam na floresta durante a noite para caçar, já repararam que muitas vezes folhas e galhos no chão brilham. O que eles não sabem é que essas espécies relativamente comuns são fungos não descritos e, portanto, desconhecidas para a ciência.

Conhecemos atualmente apenas uma espécie na Amazônia: Mycena lacrimans. Ela havia sido coletada na Reserva Ducke (AM) e descrita por Rolf Singer (1906-1994), micólogo alemão, que estudou dezenas de espécies na região amazônica entre as décadas de 1970/80. Entretanto, como fora coletada durante o dia, Singer não sabia que seus cogumelos eram bioluminescentes.

Raridade na Amazônia
Em 2005, durante uma expedição de uma disciplina de pós-graduação em ecologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) para a rodovia BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, um de nós (Braga-Neto) teve a oportunidade de penetrar na floresta e descobrir, por acaso, a ocorrência de cogumelos bioluminescentes. Eles foram localizados ao longo de igarapés, em florestas próximas ao quilômetro 83, no município de Careiro. Com a colaboração de Dennis Desjardin, a identidade da espécie foi revelada.

Na Amazônia, a presença de rodovias está diretamente associada ao desmatamento, perda de biodiversidade e degradação de serviços ambientais. Atualmente, a repavimentação da BR-319 é foco de grande preocupação, pois a rodovia corta uma imensa área do estado do Amazonas altamente preservada. Sem planejamento adequado, isso poderia catalisar degradação ambiental. Segundo Philip Fearnside e Paulo Maurício Graça, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), os benefícios econômicos usados para justifi car a necessidade do asfaltamento da rodovia são questionáveis, sendo mais indicado transportar produtos por hidrovia, aproveitando o grande potencial natural da região. Infelizmente, o local onde os espécimes de Mycena lacrimans foram coletados já está desmatado, e não se sabe qual o efeito dessa alteração sobre a espécie. É certo que unidades de conservação podem reduzir significantemente o desmatamento e a perda de espécies. Duas unidades foram criadas recentemente na região, e o Ministério do Meio Ambiente está atuando, juntamente com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS-AM) pela criação e implementação de um mosaico de unidades de conservação ao longo da rodovia, com diferentes categorias de uso. Essas unidades tenderão a favorecer a conservação dessa espécie de fungo raro e permitirão que moradores locais e visitantes venham a conhecer pessoalmente sua existência. E, eventualmente, ajudar a descobrir novas riquezas naturais na região.

Biodiversidade de Fungos
Assim como as plantas e os animais, os fungos constituem um reino à parte, caracterizado por uma imensa diversidade e ampla distribuição geográfica. Entretanto, eles estão entre os organismos menos conhecidos do mundo, fato que é ainda mais acentuado em regiões tropicais. Essa realidade é preocupante, pois os fungos desempenham funções indispensáveis ao funcionamento de ecossistemas terrestres, atuando como decompositores, simbiontes e parasitas.

Como o caso dos fungos bioluminescentes demonstra, o acúmulo de conhecimento e a descoberta de novas espécies estão intimamente associados à quantidade de pesquisadores envolvidos. Nos últimos anos, o número de micólogos atuando no Brasil teve uma significativa expansão, especialmente por alunos de pós-graduação do Rio Grande do Sul, Pernambuco, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Norte. Não existem apenas mais pesquisadores envolvidos; a produção per capita também aumentou significativamente.

Esses jovens micólogos estão ampliando muito a capacidade de gerar conhecimento sobre a identidade e a ocorrência das espécies de fungos no país. Segundo informações compiladas da plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a produção de artigos científicos sobre fungos macroscópicos aumentou muito desde o começo desta década, atingindo cerca de 40 artigos apenas em 2007; um acréscimo superior a quatro vezes em relação à produção em 2000.
  
Continua...


Fonte: Scientific American Brasil Online

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