Em um exemplo de desenvolvimento da biologia sintética, estudantes  usaram bactérias geneticamente modificadas para tirar  fotografias de alta resolução.[Imagem: UCSF]
Construir sistemas artificiais inspirados em processos da natureza:  este é o objetivo da biologia sintética. Apesar de ser uma área fundamental para o avanço da produção de  bioenergia, as pesquisas visando o biomimetismo ainda estão dando seus  primeiros passos no Brasil.
 
A produção  de biodiesel a partir de algas marinhas já é um processo dominado  comercialmente. [Imagem: Solazyme Inc.]
Por esse motivo, o assunto foi tema de um evento internacional  realizado em São Paulo, chamado 
BIOEN Workshop on Synthetic Biology.  BIOEN é um programa sobre pesquisas em bioenergia mantido pela Fundação  de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Sistemas artificiais
"Queremos elevar a pesquisa brasileira sobre bioenergia a um novo  patamar e, para isso, é importante investir na biologia sintética, área ainda carente de  especialistas no Brasil", disse Glaucia Mendes de Souza, professora do  Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo ela, trata-se de um grande desafio, uma vez que a biologia  sintética envolve a convergência de diferentes áreas do conhecimento,  como genética, biotecnologia, nanotecnologia, matemática, engenharia metabólica e  computação.
A multidisciplinaridade está relacionada com a complexidade dos  organismos nos quais esta ciência se inspira para desenvolver os sistemas artificiais.
"É preciso entender a biologia sistêmica, que procura decifrar os  organismos em sua totalidade, modelando as inter-relações dinâmicas  entre as partes funcionais como genes, RNAs, proteínas, metabólitos,  redes regulatórias, percepção do ambiente, entre outros", explicou  Glaucia.
"Queremos colocar a ciência brasileira ao lado da produção  internacional nesse assunto", disse a professora do Instituto de  Biociências da USP Marie-Anne Van Sluys.
Combustível de algas
Ben Hankamer, da Universidade de Brisbane, na Austrália, falou sobre  os desafios econômicos e técnicos na produção mundial de biocombustíveis  a partir de microalgas.
Segundo ele, as microalgas são matéria-prima viável para suprir a  demanda do planeta por combustíveis. "A grande necessidade de novas  fontes está relacionada aos combustíveis, que são 83% do consumo mundial  de energia - os outros 17% estão relacionados à eletricidade", apontou.
"As microalgas seriam uma solução interessante, uma vez que não  disputariam espaço por terras agriculturáveis, além de contribuir para a  captura de dióxido de carbono. Outra vantagem dessa matéria-prima é que  ela representa uma alternativa aos combustíveis fósseis cujas reservas  mundiais são limitadas", disse.
Segundo Hankamer, o desenvolvimento no setor permitiu a construção do  primeiro avião movido a um combustível feito totalmente de algas, o  bimotor Diamond DA-42, construído pela companhia europeia EADS, em junho  deste ano.
 
O biomimetismo permite criar robôs com corpos flexíveis,  que se movem como animais. [Imagem: Tufts]
O pesquisador australiano também apresentou tecnologias que estão  permitindo avanços na produção de microalgas e de biocombustíveis. Técnicas de visualização em três  dimensões, como a tomografia eletrônica, permitem, por exemplo, obter  imagens em melhor resolução de células e aperfeiçoamentos em biologia  estrutural.
Do mesmo modo, inovações em metabolômica têm aumentado o conhecimento  dos metabólitos das microalgas, levando a melhorias na eficiência do processo fotossintético. "Ao incrementar o processo  conseguimos dobrar a produção de biomassa", disse Hankamer.
Circuitos biológicos
Nitin Baliga, do Instituto de Biologia de Sistemas, nos Estados  Unidos, comparou os sistemas biológicos naturais a circuitos  eletrônicos.
Para ele, compreender como os diversos sistemas envolvidos funcionam e  como interagem entre eles é a chave para avanços importantes. O mesmo  vale para as reações do organismo ao ambiente. "No caso dos genes, ao  conhecer a estrutura dos circuitos é possível prever um novo  comportamento", exemplificou.
 
A reprodução de estruturas naturais, como as asas de uma  borboleta, tem potencial para  utilização em nanotecnologia e nanoeletrônica. [Imagem: Martin-Palma et  al.]
As mudanças climáticas podem aumentar a exposição de áreas à luz e ao  calor, o que implicará na alteração de parâmetros como a solubilidade e  o fator de oxidação das microalgas. "Mesmo as pequenas mudanças  provocam grandes alterações. Por isso, precisamos entender bem o  funcionamento dos sistemas", disse.
Esse trabalho de compreensão tem sido auxiliado pelo desenvolvimento  de novas ferramentas de análise que permitem identificar, por exemplo,  as alterações gênicas, a localização de proteínas e a visualização de  estruturas moleculares em diferentes ângulos.
Todas essas informações devem ser combinadas para que produzam uma  ampla visualização do sistema por meio de uma abordagem que Baliga chama  de "moedor de carne". Nela, os diferentes dados são colocados de um  lado, processados e o resultado é um sistema único e compreensível: o  circuito.
Setor sucroalcooleiro
Rubens Maciel Filho, professor de engenharia química da Unicamp,  visitou nos últimos meses nove usinas de cana-de-açúcar para analisar os  processos de produção e chegou à conclusão de que o setor deve ser  encarado globalmente em seus aspectos técnicos e econômicos e ir além da  perspectiva de produção de etanol.
"O setor sucroalcooleiro deve ser encarado como a indústria do  petróleo: responsável por uma série de produtos com valor agregado e não  somente combustível", disse o professor do Instituto de Química da  Universidade Estadual de Campinas.
De acordo com Maciel, da mesma maneira o desenvolvimento da segunda geração de etanol, oriundo da celulose,  deve se basear no conhecimento adquirido sobre a primeira geração. Sem  isso, há o risco de se investir em pesquisas que levem a produtos  inviáveis ou a distorções.
"Podemos investir em enzimas que levem ao etanol de celulose e que,  no entanto, sejam tão caras a ponto de ser mais lucrativo queimar essa  biomassa para produzir eletricidade do que fabricar combustível. Ou,  ainda, produzir microrganismos transgênicos que não conseguem sair da  célula, obrigando a matar a célula para obtê-lo", disse.